segunda-feira, 17 de março de 2014

Historia dos fixadores externos e alongamento ósseo

Como é que o ortopedista geral vê o uso dos fixadores externos? Como algo básico e simples, utilizado de modo provisório na fixação de fracturas expostas na urgência, ou como aparatos sofisticados e de aplicação por uns poucos que se sentem tentados a domar esses estranhos objectos?



A fixação externa é uma forma de se fixar o osso que têm seus primórdios em meados do século XIX, quando Joseph Malgaine publicou artigo no qual descrevia seu fixador externo para fracturas desviadas de patela. 

Ainda naquele século, quando a troca de informações era precária e a ciência médica ortopédica gatinhava, em diferentes locais surgiam ideias de manipular os ossos por meio da inserção de pregos, inicialmente de madeira ou mármore, os quais se ligavam a diversas montagens: uma banda de tensão rudimentar (Rigaud, 1850), um par de garras para reduzir fracturas de clavícula (Chassin, 1852), o primeiro fixador externo monolateral (Parkhill, 1897).

No início do século XX, os pinos já eram de ferro e coube ao cirurgião belga Albin Lambotte o primeiro fixador que se assemelha mais ao que temos hoje. 

Em 1902, ele mostrou como fixava fracturas com dois pinos rosqueados acima e dois pinos abaixo da lesão, sendo depois conectados a duas placas de ferro paralelas que se mantinham apertadas entre si.

Logo depois, em 1905, o italiano Alessandro Codivilla, do Instituto Rizzoli de Bologna, publicou o que pode ser considerado o primeiro trabalho sobre alongamento ósseo. Utilizando apenas aparelhos gessados, fazia o afastamento do osso seccionado em sessões sob narcose, buscando alongar o membro, conseguindo resultados finais entre 3 cm e 8 cm, porém com inúmeras complicações.

Seu sucessor, Vittorio Putti, continuou seu trabalho e foi um dos primeiros a reconhecer que a distracção do tecido ósseo gerava osso novo.

Até por volta de 1940, estudos isolados mostravam resultados variados, mas com complicações que desestimulavam sua repetição. Entre eles, destacaram-se os de Abbott, que em 1927 publicou sua técnica de alongamento imediato e osteotomia a céu aberto utilizando um fixador externo, monoplanar e bilateral, o qual daria origem a novos aparelhos décadas depois.

Os Estados Unidos viam com cepticismo o uso desse tipo de recurso para fracturas ou alongamento, embora vários países europeus e escandinavos publicassem bons resultados.

O suíço Raoul Hoffman desenvolveu, entre 1940 e 1950, um fixador monolateral com mecanismo deslizante que permitia a redução das fracturas através do fixador.

Sendo mais estável e de montagem reprodutível, conseguiu ser mais aceito pela comunidade ortopédica norte-americana. Outro destaque da época foi o compressor de John Charnley, o mesmo da artroplastia de quadril, para artrodeses de joelho, tornozelo e ombro, posteriormente incrementado pelo grupo AO.

O aparelho de Abbott foi modificado por Anderson (1952) e Kawamura (1968), que mostraram resultados superiores utilizando alongamento gradual, contínuo ou em estágios. No entanto, nessa época prevaleceu o conceito de alongamento pela técnica do alemão Heinz Wagner.  Seu método, modificação de Anderson, envolvia alongamento rápido (2 mm/dia) e secção transversal do periósteo, utilização do fixador externo monolateral e sua posterior substituição por placa e enxerto ósseo.

Nos anos de 1980, o Ocidente conheceu Ilizarov. Seja o leigo, que tem medo de colocar a tal da “gaiola”, até o especialista que vê, nesse tipo de fixador externo, a solução de problemas outrora sem resposta. A trajectória de Ilizarov é ímpar: médico judeu polonês nascido em 1921, crescido no Azerbaijão e formado médico na Crimeia, foi enviado para Kurgan, na Sibéria, local distante de tudo e onde se acumulavam sequelados de guerra. Teve apoio governamental para desenvolver suas ideias, utilizando ferramentas desenvolvidas em antigas fábricas de autocarros. Fixadores circulares já haviam sido descritos em outros lugares, porém seu uso foi extensamente explorado por Ilizarov, utilizando fixação transóssea com fios de Kirschner tensionados entre si.



Os primeiros usos de seu fixador visavam correções de contracturas articulares. Em um caso, em que foi feita osteotomia femoral para facilitar a correcção de um flexo de joelho, Ilizarov se surpreendeu com o osso neoformado no local onde pretendia colocar enxerto. A partir daí, desenvolveu sua técnica de osteotomia (corticotomia) de baixa energia e alongamento progressivo, após período de latência de alguns dias.

O Ocidente trabalhava com o alongamento de Wagner, enquanto o Leste Europeu já conhecia os resultados dos alongamentos e correcções de deformidades com o fixador circular de Ilizarov. Somente na década de 1980 seus conceitos foram passados aos pioneiros italianos, após uma sequência de eventos que envolveram o tratamento de um jornalista italiano portador de pseudartrose infectada de tíbia, que conseguiu ser tratado por Ilizarov e contou, em detalhes, a estrutura gigantesca do hospital de mil leitos em Kurgan a Angelo Villa, seu amigo ortopedista de Lecco, norte da Itália. Desde então, italianos, norte-americanos, brasileiros e o mundo buscaram saber o que significava Ilizarov, o que foi facilitado pela dissolução da União Soviética, em 1991, e sua abertura ao Ocidente. 

No Brasil, foram pioneiros os colegas Targa, Bongiovanni, Slomka, Esperidião, Guarniero, Mercadante, entre outros, todos fundamentais no desenvolvimento da técnica em nosso país. 

No mundo, destacam-se herdeiros de Ilizarov, como Kirienko (Milão), Samchukov e Cherkashin (Dallas), além de Paley (Miami),Herzenberg (Baltimore), Tetsworth (Austrália), entre tantos outros.

O conceito atualmente chamado de “osteogénese por distracção” passou a ser aplicado com outros tipos de fixador.  Destaque aos trabalhos de Giovanni De Bastiani e Roberto Aldegheri, italianos de Verona que desenvolveram, na década de 1980, aparatos monolaterais articulados ou com trilhos, que permitem praticamente os mesmos resultados do fixador circular.

Hoje, o fixador externo remete a uma nova subespecialidade na Ortopedia e Traumatologia: a reconstrução e o alongamento ósseos. 

Em vez de haver especialistas no fixador, existem ortopedistas que se dedicam a entender e desenvolver métodos de reconstruir ossos perdidos por infecção, trauma ou tumor, ou que não se desenvolveram adequadamente. E as perspectivas são positivas, já que estamos no século da Medicina regenerativa, em que a reconstrução óssea navegará certamente com destaque. 

Os fixadores externos são os dispositivos de fixação mais versáteis, pois possibilitam diversos tipos de montagens e configurações, podendo ser colocados rapidamente, o que e uma característica fundamental no tratamento das fracturas nas situações de urgência e emergência (controle de danos) e de forma percutânea, com um menor dano aos tecidos  moles.  Mas os fixadores, quando utilizados por longos períodos, seja como tratamento definitivo da fractura, seja pela dificuldade de conversão para uma síntese  interna, apresentam altos índices de infecção nos trajectos dos pinos, perda da redução, retardo de consolidação e consequente necessidade de enxertia óssea.

Em resumo, diversos são os métodos de fixação das fracturas e mais diversos os tipos de implantes para se realizar estes métodos. No entanto, devemos inicialmente escolher qual o melhor principio para tratar aquela determinada fractura, naquele determinado momento e para aquele paciente.

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